Construto teórico sobre a formação da inteligência emocional em sujeitos encarcerados: uma abordagem educacional com enfoque plural, biopsicossocial, espiritual, cognitivo e cultural


Construcción teórica sobre la formación de inteligencia emocional en sujetos encarcelados: un enfoque educativo con enfoque plural, biopsicosocial, espiritual, cognitivo y cultural.


KATIA ANDRADE BIEHL1

Instituto Superior de Educação Ivoti


ANA LÚCIA CECCONELLO 2

Instituto Superior de Educação Ivoti


ANTÔNIO RICARDO DIAS FAGAN 3

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Brasil.


Recibido: 02/10/19 Aceptado: 22/11/19


RESUMO


A partir do conceito de plasticidade cerebral define-se a competência ou inteligência emocional como “a capacidade do indivíduo se autorregular, restringindo seus impulsos e instintos, o que inclui as habilidades de compaixão e de engajamento em cooperação”. Considerando-se que em condições normais de aprendizagem os sujeitos encarcerados poderiam ter tido outra organização emocional, visto o estímulo precoce de seus valores com enfoque plural, biopsicossocial, espiritual, cognitivo e cultural, utilizando-se todo entendimento sobre aprendizagem emocional, precedida e procedida da estimulação e motivação das funções cerebrais. Quanto a estes parâmetros, há um campo emergente na missão da SUSEPE4, tanto das ciências que se aprimoram quanto do universo de sujeitos a serem estimulados, que é promover “a reeducação e reinserção do indivíduo cerceado de liberdade à sociedade”. O “Construto teórico sobre a formação da inteligência emocional em sujeitos encarcerados: uma abordagem educacional com enfoque plural, biopsicossocial, espiritual, cognitivo e cultural” chegamos à conclusão de que a compreensão sobre como o cérebro adquire memórias, como gerencia as informações que chegam a ele, como constrói a inteligência emocional do indivíduo e quais os fatores que influenciam estes processos, contribui para criar programas de políticas


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1 Biehl. K.A. Doutora em psicologia (PUC RS), mestre em administração de empresas (UFRGS RS), Especialista em Neurociências e educação (ISEI RS), psicóloga (UNISINOS RS). TSP- psicóloga no IPNH vinculada a SUSEPE. orcid 0000-0002- 6993-6953

2 Cecconello. A, L. Mestrado e doutorado em Neurociências (UFRGS RS). Pós-Doutorado no Departamento de Fisiologia (UFRGS RS) pelo Programa Nacional de Pós-Doutorado - PNPD/CAPES. Médica veterinária (UFRGS RS). Orcid0000-0002-3785- 681X

3 Fagan. A. R. D. Especialização em medicina geral comunitária e em Medicina do trabalho (UFRGS RS). Médico (UFRGS RS). Exerce atendimento médico voluntário no IPNH vinculado a SUSEPE. Orcid 0000-0002-2412-701X

4 SUSEPE – SUPERINTENDENCIA DOS SERVIÇOS PENITENCIÁRIOS

públicas que possam reduzir a vulnerabilidade psicossocial dos apenados, auxiliando-o no processo de socialização e reintegração saudável a sociedade.

Palavras-chave: Inteligência Emocional, Plasticidade Cerebral, Educação, Apenados


RESUMEN

Desde el concepto de plasticidad cerebral, la competencia o inteligencia emocional se define como "la capacidad del individuo para autorregularse, restringiendo sus impulsos e instintos, que incluye las habilidades de compasión y involucramiento cooperativo". Teniendo en cuenta que, en condiciones normales de aprendizaje, los sujetos encarcelados podrían haber tenido otra organización emocional, dada la estimulación temprana de sus valores con un enfoque plural, biopsicosocial, espiritual, cognitivo y cultural, utilizando toda la comprensión sobre el aprendizaje emocional, precedido y procedido de la estimulación y motivación de las funciones cerebrales. Con respecto a estos parámetros, hay un campo emergente en la misión de SUSEPE, tanto en las ciencias que mejoran como en el universo de temas a estimular, que es promover "la reeducación y reinserción del individuo rodeado de libertad para la sociedad". De un "Constructo teórico sobre la formación de la inteligencia emocional en sujetos encarcelados: un enfoque educativo con un enfoque plural, biopsicosocial, espiritual, cognitivo y cultural", llegamos a la conclusión de que entendiendo como el cerebro adquiere recuerdos, cómo maneja la información que llegan a él, como construye la inteligencia emocional del individuo y que factores influyen en estos procesos, contribuye a crear programas de políticas públicas que pueden reducir la vulnerabilidad psicosocial de los reclusos, ayudándolos en el proceso de socialización saludable y reintegración en la sociedad.


Palabras clave: Inteligencia emocional, plasticidad cerebral, educación, reclusos.


INTRODUÇÃO


Este trabalho teve como objetivo fazer uma reflexão sobre a capacidade do cérebro de se modificar aprendendo novos comportamentos em relação ao ambiente em que o indivíduo está envolvido (plasticidade cerebral).


Centralizado na ideia de que os fatores biopsicossociais da infância do sujeito estão diretamente coligados a questões ambientais e culturais que estimulam e favorecem o desencadeamento de comportamentos disfuncionais à coletividade, consolidando as palavras do autor Chiesa (2012, p.10) quanto aponta:


“...a interação continua e cumulativa entre os fatores genéticos e seus contextos ambientais responde pelas especificidades do aprendizado individual. Como o ambiente influencia a expressão dos genes relevantes para o aprendizado durante toda a vida, que por sua vez expressam os resultados nas modificações estruturais do cérebro, essas mudanças afetam a expressão genética obtida pela experiência subseqüente. Dessa forma, cada cérebro acumula idiossincrasias estruturais que medeiam os processos de aprendizado. Isto significa que é difícil prescrever um ambiente de aprendizado ideal universal [...]”.


Observando as dimensões “...contextos ambientais respondem pelas especificidades do aprendizado individual....” apontado por Chiesa neste parágrafo, foi possível estruturar as

variáveis estudadas neste estudo, que teve como temática refletir sobre a influência do ambiente familiar desde a infância e o contexto onde sujeitos privados de liberdade estão inseridos, sobre a capacidade de aprendizado de novos comportamentos dos mesmos, e como elaborar um laboratório de desenvolvimento da inteligência emocional na vida adulta, quando já encarcerados. E a partir da reflexão sobre o aprendizado e da formação da inteligência emocional e a correlação com as histórias de vida de apenados, desenvolver futuramente políticas de tratamento penal para estimular que sujeitos privados de liberdade possam reconstruir suas vidas e serem inseridos novamente na sociedade, tendo possivelmente mais chances destes indivíduos desenvolverem sua autonomia.


A partir dos conceitos que apontam a plasticidade cerebral e a capacidade contínua da construção do cérebro, entre eles a afirmação de Chiesa (2012, p.10), que apresenta a competência ou inteligência emocional como “a habilidade de a pessoa se autorregular, isto é, restringir seus impulsos e instintos, o que inclui a capacidade de compaixão e a habilidade de se engajar em cooperação”, pode-se conjecturar sobre a dificuldade de promover a reeducação e a aprendizagem de caráter quando o indivíduo já está privado de liberdade por ter cometido infração das regras da sociedade. Se o sujeito não teve aderência, compreensão ou experiência significativa sobre seguir os códigos da sociedade e, por sua vez, não se sente satisfeito e identificado com esta experiência de seguir a ordem, seus referenciais externos de construção do caráter são, possivelmente, identificados com pessoas que mantém o mesmo estado de ação que está perpetuando e, deste modo, o sujeito não se estimula a mudar porque com isto perderia seu status quo.


A regulação das emoções, incentivada pelo reforço positivo de vivenciar o aprimoramento das atitudes poderia, inclusive, causar o aumento de dopamina - esta que atua, especialmente, no controle do movimento, memória, e sensação do prazer, resultante dos neurotramissores do córtex pré-frontal, produzidos quando o sujeito se sente gratificado e recompensado pela nova situação.


Neste sentido, oferecer ambientes qualificados de aprendizagem das relações humanas eficientes e eficazes visando aprimorar a inteligência emocional, promovendo efetivamente o desenvolvimento de novas reações atitudinais a velhos problemas comportamentais, por meio de atividades lúdicas como oficinas de dinâmicas de grupos, de criação e de arte, como da música, na qual a concepção de letras expressando sentimentos, reflexões e sentidos são trabalhadas de forma prazerosa e paulatina, vêm em encontro a um termo específico da psicologia positiva, muito comum à segurança pública, que é a “redução de danos”, condição na qual se cria situações que desestimulam certos comportamentos oferecendo outros caminhos de agir mais atrativos. Razão pela qual se estimularia a formação de bandas, grupos de corais e expressão artística, para que, no período de detenção, se acesse a dignidade do sujeito e, a partir dali se construa uma ponte/um começo de ressignificação de valores e de adequação à ordem pública. Criar memórias motivacionais que legitimem líderes e mentores positivos de serem seguidos, que é diferente da tendência de deixá-los inertes nas celas e pátios das cadeias e assim, fortalecer os vínculos às antigas memórias desviantes, minimizadoras dos insights e reflexões referentes aos costumes anti-sociais outrora aprendidos.

No Instituto penal que este trabalho foi ambientado para a sustentação cognitiva sobre as práticas de tratamento penal, considerando o conceito de promoção do desenvolvimento da inteligência emocional na vida adulta, os exercícios vivenciais são efetivos e constam de arteterapia, inclusão digital, cinema e cidadania, biografias e reflexão, grupos de apoio para alcoólatras anônimos, grupos de apoio para dependência química, alfabetização, cursos de preparação para o trabalho, horário de visita e leitura na biblioteca, apoio espiritual de múltiplas religiões, entre outros. Ainda conta com palestras diversas sobre saúde do homem, comportamento no trabalho, relacionamento interpessoal, atendimento médico, exames sistemáticos para doenças sexualmente transmissíveis (hepatites, HIV, e sífilis) e oftalmológicos. Todas as atividades com enfoque plural, biopsicossocial, espiritual, cognitivo e cultural constitutivas de um ambiente reflexivo para o sujeito em encarceramento.


Normalmente, os ensinamentos da vida fazem sentido para o sujeito quando deixam de ser abstrações e passam a ser entendimentos efetivos da experiência. Se é a partir do outro que nos tornamos humanos, também é por meio das contextualizações e elaborações que legitimamos a aprendizagem, na qual as vivências propiciam o auto-desenvolvimento do sujeito, derivando da organização e da reorganização destes entendimentos, da criação de possibilidades e da empatia com as situações empíricas. Proporcionar espaços distintos para o desenvolvimento da capacidade integral de resolver as situações é um caminho para isto. Do mesmo modo, é possível aprender a ser responsável, não pela culpa, não pelo medo, mas, sobretudo, pela ciência das coisas e elaboração do pensamento. A compreensão da subjetividade pela abstração da experiência e do entendimento da complexidade do real, aparece e acontece a partir das relações constitutivas e estruturantes advindas das relações, da palavra, e do próprio ensaio da vida.


Conforme dados do INFOPEN5 no ano de 2017, a população carcerária do estado do Rio Grande do Sul se constituía fundamentalmente de indivíduos que possuíam penalidades referentes ao tráfico e uso de drogas, cujo perfil sócio demográfico evidenciava a escolaridade baixa, alienação parental - parentalidade negligente, deficitária e/ou ausente - e situação de vulnerabilidade socioeconômica. Apoiando este quadro, o acesso restrito a cultura, em que a formação psicossocial e educacional é quase inexistente, formam algumas das variáveis que possivelmente contribuem para as disfuncionalidades atitudinais. Corroborando com estes preâmbulos, dados específicos expostos no site www.atualidadesdodireito.com.br referiam à época que 50,5% dos apenados brasileiros possuem Ensino Fundamental Incompleto; e 29,8% estão na faixa etária entre 18 e 24 anos, e 25,3% entre 25 e 29 anos.


A criação de espaços qualificados de reflexão por meio de ações e experiências vivenciais que inspirem aos apenados a pensar sobre suas condições de existência, desenvolvendo possibilidades de novos projetos de vida, focando na perspectiva de neutralizar a reincidência à criminalidade e encarceramento futuros, é uma meta auspiciosa. Assim como desvincular o acesso as drogas e ao mundo de valorização de atitudes disfuncionais por meio de estruturação de aprendizados diversificados, tais como turno de trabalho efetivo - referência PAC 6


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5 Sistema integrado de Informações penitenciárias

6 Pacto de ação conjunta – em que o empregador se vê desobrigado a pagar os encargos sociais relativos aos presos trabalhadores.

oferecendo nos contra turnos atividades programadas com a finalidade de aprendizagem profissional, espiritual, educacional e de cunho psicossocial, estão planificadas no fluxo de trabalho de mobilização dos apenados em referência. Para tanto, é preciso conhecer a realidade que fecunda estes comportamentos, pois isto dá condições de entender o que pode motivá-los ou não.


A experiência do trabalho na SUSEPE tem proporcionado várias reflexões em razão dos estudos sobre neuroaprendizagem. Dentre elas, há um questionamento eminente: - como prospectar a aprendizagem emocional e o desenvolvimento de caráter em apenados, tendo o objetivo de propor e executar intervenções que reduzam a vulnerabilidade psicossocial, auxiliando-o no processo de socialização e reintegração saudável a sociedade? A resposta a esta pergunta justificou este estudo da realidade carcerária.


O “Construto teórico sobre a formação da inteligência emocional em sujeitos encarcerados: uma abordagem educacional com enfoque plural, biopsicossocial, espiritual, cognitivo e cultural” que visava a compreensão sobre como o cérebro adquire memórias, como gerencia as informações que chegam a ele, como constrói a inteligência emocional do indivíduo e quais os fatores que influenciam estes processos, contribui para criar programas de políticas públicas que possam reduzir a vulnerabilidade psicossocial dos apenados, auxiliando-o no processo de socialização e reintegração saudável a sociedade partiu de uma pesquisa classificada como descritiva, de metodologia qualitativa baseada em pesquisa bibliográfica de natureza aplicada, etnográfica (Rockwell, 2009).


REFERENCIAL TEÓRICO


A HISTÓRIA DO INDIVÍDUO É FORMADA POR SUAS MEMÓRIAS.


Deixar de viver é antes de tudo deixar de trocar experiências, assim como desumanizar-se é antes de tudo deixar de conviver. Desta forma, a teoria não nos torna mais humanos, mas faz parte constitutiva da melhoria do sujeito, pois a coexistência é humanizatória, uma vez que entender as coisas da própria vida torna possível posicionar-se no lugar do outro e, com isto, ampliar a compreensão, possibilitar a mudança de comportamento e a adequação à experiência social. Vindo o sujeito a sentir, refletir e nomear sobre o sentido da vida, quiçá estabeleça espaço para a auto-aprendizagem, já que a aprendizagem tem a ver com colocar significado na experiência de vida. Não obstante, o que ocorre quando o cérebro humano não oferece suporte necessário para os devires da humanização do ser humano, e não há memórias positivas para dar significados as novas experiências?


Para Chiesa (2012), contando com as diferenças genéticas individuais, o desenvolvimento do cérebro é particular, pois consegue expandir o próprio desempenho a partir das correlações sinápticas que ecoam por meio da convivência social e afetiva, ressaltado por identificações e interesses muito pessoais correspondentes ao repertório vivenciado, em que “a interação contínua e cumulativa entre os fatores genéticos e seus contextos ambientais respondem pelas especificidades do aprendizado individual”. Ou seja, as conexões, interpretações e cognições

são amplificadas pelo observatório (caleidoscópio), que captura as informações do ambiente e produz entendimentos. Este processo está reservado a efeito, pela intersecção de um conjunto de variáveis tanto genéticas, fisiológicas, como pelas “idiossincrasias estruturais que medeiam os processos de aprendizado”(Chiesa, 2012). Deste modo, embora as pessoas vivenciem ambientes institucionalizados e aparentemente iguais, o entendimento e a aprendizagem que pinçam desta experiência é intransferível e absolutamente particular, tal que promove modificações singulares a cada indivíduo.


Assim, a interação social oferecida pelo ambiente estimulante da família, sociedade, escola, amigos, mesmo que mediada pelos conflitos oriundos de resistências ao novo, instigam a ampliação de formas de pensar e excitam focos de memórias que entram em zonas possivelmente ainda não elaboradas conscientemente. Para Izquierdo (2011, p.19) “[...] quando submetidos a um estímulo que causa desconforto, os seres humanos e os animais aprendem basicamente a mesma coisa: evitar esse estímulo. De fato, isso constitui uma forma de aprendizagem conceituada como esquiva inibitória [...]”. Mesmo assim, há que se pensar que, embora haja a esquiva inibitória, cada momento sui generis não deixa de ser um estímulo, um dispositivo suficiente para produzir seções de sinapses a partir do desconforto, organizando, desorganizando ou reorganizando o conjunto de verdades de cada sujeito.


Ainda para o autor Izquierdo (2011, p. 21) “existe um processo de tradução entre a realidade das experiências e a formação da memória respectiva; e outro entre esta e a correspondente evocação. [...] nós os humanos usamos muito a linguagem para fazer estas traduções; [...]. As emoções, o contexto e combinação de ambos influenciam a aquisição e a evocação, [...].” De tal modo que uma sofisticada didática andragógica ofertada pelos mentores do indivíduo, em que as experiências sustentadas por processos cognitivos orientados, mexeriam diretamente com os processos de tradução, aquisição e evocação e, sendo assim, “como durante o longo processo de consolidação ou formação de cada memória, utilizam-se redes complexas de neurônios”, dobrariam ou mobilizariam as instituições aculturadas nas mentes do sujeito. Pode- se imaginar que, “ao sofrerem desajustes neuraisevocando memórias e saberes, promovam- se novas conexões e pareceres perante a mesma experiência.


Chiesa (2012) refere ao psiquiatra francês David Servan-Schreiber e aponta conceitualmente competência ou inteligência emocional como a “habilidade de a pessoa se auto-regular, isto é, restringir seus impulsos e instintos, [...] inclui também a capacidade de compaixão e a habilidade de se engajar em cooperação” percebe-se que, embora os seres humanos ajam como seres inteligentes, assumindo uma ritualização do cotidiano aparentemente civilizada, a regulação emocional acaba sendo deficitária, sendo que em alguns indivíduos faltam alteridade e empatia nas relações interpessoais. Para o mesmo autor, este mecanismo cognitivo parte da ativação do córtex pré-frontal, ligado neste caso pela atividade da amígdala cerebral, em que as diferenças individuais e as modificações oriundas pelo desenvolvimento constituiriam os olhares amistosos para o diferente ou não, sendo neste último caso, provavelmente, em razão da esquiva inibitória originada pela falta de exercícios de elaboração, que sofisticariam os pensamentos a partir dos questionamentos e do diálogo frente aos devires.

A partir das metodologias vivenciais que favorecem as elaborações do pensamento e emoções, se abrem novos devires do conhecimento e do autoconhecimento -, repercutindo sutilmente no rompimento com o modo de olhar a vida ao utilizar-se de experiências que diferem do padrão ampliando saberes, que embatem aos modelos vigentes, estabelecendo uma brecha psicológica, ainda sem definição – em nível oculto – , que por estar sem nomeação permite ser sujeitada a ela, visto que invade subliminarmente o inconsciente. Ao ameaçar o institucionalizado, persiste o processo de luta-fuga para manter a ordem precedente, mas como entra de forma andragógica, é menos gerenciado. De qualquer jeito, sendo tocado pela intervenção provocativa dos exercícios vivenciais ou pelo contexto social que se atravessa, invadindo “perigosamente” os modelos mentais cristalizados, produzem intensidades e devires na possibilidade de uma dobra que dá sinais de vida e prospecta as influências sociais que impactam diretamente no aprendizado.


Deste modo, a intervenção daria passagem às emoções ao provocar questionamentos e a transversalizar os múltiplos olhares à vida subjetiva, nutrindo a sabedoria das escolhas conscientes. É neste momento, durante os exercícios vivenciais, que se faz necessária a reflexão sem crítica, sem preconceitos, para que não incite ainda mais aos modelos e representações já arraigados, pois o novo produz sentimentos, muitos deles sem explicação e discernimento, padrão fácil de provocar o refúgio na segurança do status já conhecido, pois a resistência é o medo do desconhecido. Neste sentido, Goleman (2012, p.38) aponta que “a amígdala é um ponto de disparo da angústia, da raiva, do impulso, do medo [...]” e em situações sem discernimento, quando a amígdala assume o comando por alarme, é possível que gere passionalidade; visto que “nosso ponto de escolha vem assim que sentimos de uma determinada maneira. (p.39)”. Aqui se dá a resistência ordinária: é um não gostar e um não querer inconsequente, por aversão.


Neste sentido, a explicação baseada nos saberes da neurociência passa por vias do estudo do córtex pré-frontal – quando os circuitos inibitórios supostamente funcionam normalmente“Você será capaz de ter um ponto de decisão que o tornará mais hábil na orientação de como reagir, e, por sua vez, de como você incita as emoções das outras pessoas, para melhor ou pior, nessa situação” (Goleman, 2012, p. 39), o que se denomina, no nível neural, de “auto-regulação”. Ou seja, exercícios vivenciais trabalham não só os conteúdos teóricos mas, sobretudo, oferecem um laboratório para explorar, produzir, aprimorar sentimentos contraditórios que, se estimulados em um ambiente qualificado, podem ser fundamentais para o amadurecimento da inteligência emocional, pois implicam em trabalhar as frustrações e contrariedades – e pela tomada de consciência – ao explicar os sentimentos com palavras que traduzem as emoções e as aprimoram, dissolvem os modelos mentais cristalizados, dando passagem aos devires.


Para Chiesa (2012), a motivação é essencial para a eficácia do aprendizado, e está intimamente ligada às emoções, enquanto Goleman (2012) aponta para os estudos sobre a reação do cérebro às emoções: “a amígdala é o radar do cérebro para ameaças. [...] se ela detecta uma ameaça, num instante consegue dominar o resto do cérebro – particularmente o córtex pré-frontal – e temos o que é chamado de seqüestro da amígdala – momento o qual não conseguimos aprender

e dependemos principalmente de hábitos memorizados” (Goleman, ob. Sup. cit), ainda complementa: “Durante um seqüestro, não conseguimos inovar nem ser flexíveis”isto torna compreensível porque normalmente as pessoas se apresentam tão fechadas aos estímulos pedagógicos e andragógicos e ficam arraigadas aos conhecimentos e as aprendizagens arcaicas, em que estímulos lúdicos tem mais sucesso.


O CÉREBRO E A INTELIGÊNCIA EMOCIONAL


Ao tratar as variáveis relativas ao cérebro e as emoções, Goleman (2012, p. 9) desenvolveu um quadro denominado “estrutura da inteligência emocional”, em que delimita que “os elementos de todo modelo de inteligência emocional cabem dentro destes quatro domínios universais: autoconsciência, autogestão, consciência social e gerenciamento de relacionamentos.”


Estes quatro domínios do cérebro são, basicamente, o entendimento do que este trabalho propõe: favorecer por meio de atividades andragógicas o desenvolvimento da autoconsciência, para que o indivíduo possa autogerir-se perante atividades estressoras, expandindo a consciência de si e, diante desta aquisição, refletir e ressignificar suas próprias ações perante os outros, qualificando, por consequência, os relacionamentos e resultando em uma ampliação da adequação social. Goleman (2012, p.13-17) apresenta, além disso, o estudo tipo Bar-on elaborado por António Damásio (neurocientista em cujo laboratório foi feito o trabalho sobre os fundamentos do cérebro) do qual aponta que a inteligência emocional e o coeficiente de inteligência estão em circuitos distintos do cérebro; afirmou ainda que pacientes com lesões ou outros danos na amígdala direita “demonstraram uma perda de autoconsciência emocional – a capacidade de estarmos conscientes de nossos próprios sentimentos e entendê-los” (p. 14). Neste sentido, outras regiões importantes para a inteligência emocional são o córtex somatossensorial direito, em que “o dano [..] cria uma deficiência na autoconsciência, assim como na empatia – a consciência das emoções nas outras pessoas”. (p.15); e na cingular anterior, que é “uma área que gerencia o controle dos impulsos, a capacidade de lidar com nossas emoções, particularmente emoções aflitivas e sentimentos fortes” (p.16).Nestes casos, não se pode desconsiderar problemas anatômicos do cérebro ou acidentes que possam lesioná- lo, tendo, como consequência, pessoas incapazes de se socializar por natureza.


Quanto ao Quociente Emocional, localiza-se no córtex pré-frontal que é última parte do cérebro a se desenvolver no ser humano, é anatomicamente localizado na parte anterior da testa e “é o centro executivo do cérebro; aqui residem as capacidades de resolver problemas pessoais e interpessoais, de controlar nossos impulsos, de expressar nossos sentimentos com eficácia e de nos relacionarmos bem com os outros (Goleman, 2012, p. 17)”. Esta é a última camada cerebral a se concretizar, visto que esta complexidade funcional depende também da aprendizagem ocorrida nos anos de educação familiar, social, espiritual e cultural, das experiências e dos ensinamentos com a vida, com seus devidos insights, elaborados ou não. Ou seja, é determinado por estímulos externos além do fator fisiológico.


Sendo assim, o autodomínio do comportamento requer “autoconsciência mais a auto-regulação, componentes essenciais da inteligência emocional”(Goleman, 2012, 25-27), reflexo da eficácia

pessoal, cujo caráter deriva da elaboração das vivências que precedem as tomadas de decisões referentes a limites, mudanças ou de permanecer repetindo padrões, - sendo organizada no interior do indivíduo, de onde deve estar em estado saudável para conseguir definir logicamente as atitudes que vai desempenhar, a exemplo, dizer não as drogas. Pode se dizer que é o construto da resiliência sendo formado desde os tempos de infância, a partir de pequenos desafios, pequenas responsabilidades, quando, felizmente, é dirigida por adultos equilibrados e com sabedoria para elaboração destas experiências.


Pesquisas mostram que “[...] as vantagens de se estar de bom humor são de que somos mais criativos, melhores na resolução de problemas, temos melhor flexibilidade mental e podemos ser mais eficientes na tomada de decisões de muitas maneiras.[...]”(Goleman, 2012, 25-27) e isto mostra que uma infância profícua, com acolhimento e acompanhamento dos pais ou protetores, contribui para o equilíbrio emocional e relacionamentos que ressoam na vida adulta. A resiliência, que permite atravessar momentos difíceis da vida sem perder a compostura, é constituída na infância por estes devires dos relacionamentos versus a personalidade do indivíduo.


A área do cérebro que interpreta metáforas e “entende” as piadas fica concentrada na área temporal, um centro na lateral do neocórtex direito. Para Goleman (2012, 25-27) a atividade gama indica “a ligação entre neurônios, enquanto extensas células cerebrais se conectam em uma nova rede neuronal – assim que uma nova associação emerge. Imediatamente após esse pico gama, a nova ideia penetra nossa consciência.”É nesse ambiente neural que há a elaboração da linguagem inconsciente. Além disso, quando há insights, há picos gamas no hemisfério direito, onde as ramificações e conexões se organizaram originalmente. Para haver estas vinculações com efeito gama tem que haver estímulos externos e internos.O autor sugere o foco sobre as experiências como caminho para ter insights, - a centralização intencional no problema ou objetivo, e depois relaxamento (o ócio criativo) para entrar no estado de “[...] abertura, de devaneio e flutuação, em que estamos mais receptivos a novas idéias (Goleman, 2012, 33-34)”. Entender metáforas é importante no mundo moderno, pois somos colocados constantemente frente a frente a interpretações de tudo que nos cerca e é fundamental conseguir chegar a um nível de elaboração, esta que é desenvolvida desde a tenra infância através do brinquedo, do mundo de faz-de-conta, nos diálogos fraternais, e que são transpassadas para a vida civil como comportamentos aprendidos.


Com as relações humanas e afetivas vivenciadas na infância prospectam-se valores e saberes, com os quais o ser humano vai desenvolvendo tanto a resiliência como o autodomínio.


O autodomínio concentra-se em duas dimensões da inteligência emocional; na autoconsciência e na autogestão. Goleman (2012, 33-34) refere que as bases do autodomínio são a “consciência de nossos estados interiores e a gestão desses estados”. As competências essenciais nos relacionamentos interpessoais, por meio da gestão das emoções, foco e motivação para atingimento de objetivos, adaptabilidade e iniciativa são alicerçadas na autogestão emocional que, anatomicamente, em relação a área neural para a autoregulação, fica situada no córtex pré- frontal. Ainda sobre autodomínio, Goleman explica que “a autoregulação da emoção e dos

impulsos depende da interação entre o córtex pré-frontal – o centro executivo do cérebro – e os centros emocionais no mesencéfalo, particularmente o circuito que converge para a amígdala (p. 38)”.


A amígdala é muito importante na concepção da inteligência emocional, pois é nela que está o centro de memória emocional, área anatômica de onde provêm os sentimentos resultantes das vivências, da compreensão que passamos a ter a partir do entendimento das metáforas da vida, como a angústia, a ansiedade, a raiva, os impulsos, o medo e assim por diante (Goleman, 2012,

p. 38). Algumas vezes estas interpretações podem ser estressoras, porque relembram experiências negativas do passado e, antes que sejam racionalizadas, já impulsionam reações emocionais. Deste modo, quando a amígdala assume o comando das ações, é possível que gere passionalidade no sujeito –já que a interação entre estas áreas neurais (amígdala e córtex pré- frontal) produz uma rodovia neuronal que, quando em equilíbrio, é o alicerce do autodomínio (Goleman, 2012, p.39).


A interpretação da experiência que vivenciamos é filtrada primeiramente pela nossa amígdala, pois é ela que conecta a situação vivida à memória e, logo em seguida, propulsiona a sentimentos positivos ou negativos a partir desta vinculação. Sendo assim, quanto mais lembranças afetivas e abusivas existirem, maior conexão entre eventos estressores com estas recordações, gerando um fluxo operacional da amígdala para produção da adrenalina na suprarrenal que, em consequência, a dispara no organismo, muito antes da gestão da consciência entrar em ação. Isto tudo traz a compreensão do por que alguns fatos considerados irrelevantes para alguns, conduzem, muitas vezes, a respostas descompensadas para outros, pois foram amplificadas na amígdala - ao aderirem memórias passadas com os eventos atuais-, propulsionando no sujeito uma reação, inclusive inconsciente, que somatiza tudo, passado, presente e até medo do futuro.


É como se não houvesse alternativa, porque na verdade, o ponto de escolha da reação surge assim que sentimos/experimentamos o fato ocorrido de uma determinada maneira (Goleman, 2012). E isso é o principal argumento sobre a importância do desenvolvimento da inteligência emocional por meio da educação e acompanhamento de adultos saudáveis pelas crianças. Pois, da complexidade deste cuidado da função paterna e materna prospecta-se o desenvolvimento do córtex pré-frontal com seus circuitos inibitórios, que constituem a mola propulsora do processo de decisão, tornando-o mais hábil na orientação de como reagir ao evento estressor, e por sua vez, “de como você incita as emoções das outras pessoas, para melhor ou pior, nessa situação” (Goleman, 2012, p.39). Este é o significado de “autoregulação” a nível neural.


Para Goleman (2012, p.39) a amígdala é “o radar do cérebro para ameaças. [...] se ela detecta uma ameaça, num instante consegue dominar o resto do cérebro – particularmente o córtex pré-frontal – e temos o que é chamado de sequestro da amígdala”. O sequestro enlaça e trava a atenção concentrada quando o indivíduo só consegue vislumbrar a ameaça em andamento, e isto, paralelamente, prejudica a memória, porque o cérebro acaba fixando-se no que está perturbando. Ou seja, lembramos mais depressa do que é relevante em relação à ameaça durante um sequestro, temos dificuldades ou não conseguimos aprender, e dependemos de hábitos

memorizados. “Quando um sistema de alarme dispara, obtemos a clássica reação lute-corra- ou-pare, o que de um ponto de vista do cérebro significa que a amígdala acionou o eixo HPA (o eixo hipotálamo-pituitária-adrenal), e o corpo recebe um fluxo de hormônios de estresse, principalmente cortisol e adrenalina. [...] a amígdala, em contraste, obtém um retrato rudimentar e tem de reagir instantaneamente”.


Atualmente, na vida moderna, os estressores são mais psicológicos e mentais do que ameaças físicas, e a razão de reagimos exageradamente aos eventos é que a amígdala não tem a capacidade de discernir a dimensão do estresse, e sim, tem o poder de evocar as memórias que se assemelham aos sentimentos provocados pelos acontecimentos.


O artigo Plasticidade neural: relações com o comportamento e abordagens experimentais (Ferrari, E. A. de M., & cols., 2001), discute, entre outras temáticas, sobre a importância das interações do meio ambiente com o indivíduo – tal que, de forma ecologicamente ativa, torna- se significativamente necessária para estimular à plasticidade neural e, em consequência, qualificar novas estruturas no sistema neural quanto à condição de aprendizagem.


Das questões relativas à plasticidade neural dois níveis têm sido ponderados: o nível molecular, focalizando mecanismos e processos celulares, e o nível de sistemas neurais e comportamentais, para este trabalho será considerado o segundo nível de análise.


O contato com pessoas com comportamento de risco, principalmente em decorrência do uso prolongado de toda a hierarquia de drogas, finalizando naturalmente no uso constante do crack

- em meados da adolescência – dos quais são postos em situação de vulnerabilidade em todos os sentidos, pois a rua torna-se o ambiente de aprendizagem, faz intuir graves consequências neurológicas nestes indivíduos, tanto pelo vício como por lesões decorrentes destas químicas e da falta de estímulos para o desenvolvimento cognitivo desde tenra infância.


É comum nestes sujeitos a dificuldade de aprendizagem, sendo que grande parte revela ter parado de estudar no ensino fundamental – 5ª série, quando muito – por não conseguir aprender e por não gostar de aprender (sic). Vítimas de lares destruídos, omissos e negligentes, poucos estímulos tiveram para desenvolver suas aptidões e inteligências, sendo que, na ausência de interações positivas entre os estímulos ambientais e as próprias condições subjetivadas moldaram, possivelmente, o construto deficitário dos circuitos neurais, que caracterizam a própria plasticidade e a individualidade neural. Ferrari e Cols. (2001) convergem aos estudos de Rosenzweig (1996) na qual a autora apontava que “Uma das evidências para este fato é que tanto as situações de mera exposição à estimulação ambiental quanto às situações de treinamento sistemático em aprendizagem resultam em alterações no comportamento e nos circuitos neurais”, em síntese, estes indivíduos carecem de estimulação cognitiva comportamental precoce.


A partir deste ponto, tendo o córtex frontal a finalidade de “estruturar o pensamento abstrato e organizar as condutas, independentes do tempo e espaço, programadas em função de objetivos futuros. Uma lesão nesta área, [...] ocasiona uma diminuição na capacidade de

reconhecimento, de concentração, tendência à distração, [...]” (Ferrari e Cols. , 2001) e isto pode ser o desencadeamento do comportamento de risco - razão fundamental para o abandono dos estudos, pois não vêem significado na aprendizagem, tampouco sentem prazer e estimulo ao contatar com os saberes intelectuais, sendo assim, os prazeres imediatos tornam-se o único objetivo e desejo. Aprender a olhar o futuro, a criar finalidades e idealismos por meio de exercícios de educação, sendo eles vinculados aos portos seguros da família e da escola, em primeira instância, este é o diferencial negligenciado a estes sujeitos.


Tendo em vista este prólogo, ao se defrontar com indivíduos vulnerabilizados pela droga e pela rua, com distúrbios referentes a caráter, estudos e socialização, preconizados por uma criação deficitária, o que fazer quanto a recuperar a mola de aprendizagem deste público de modo geral?


Sendo a plasticidade cerebral “a propriedade do sistema nervoso que permite o desenvolvimento de alterações estruturais em resposta à experiência e como adaptação a condições mutantes e a estímulos repetidos (KANDEL; SCHAWARTZ, 2003; KOLB; WHISHAW, 2002, apud SILVA, & KLEINHANS, 2006)” é possível recomeçar a estimulação atitudinal excitando os mecanismos referentes a plasticidade neural por meio de exercícios vivenciais, experiências cognitivas comportamentais, psicoterapia breve, grupos operativos, cursos profissionalizantes, cursos de auto desenvolvimento, com vistas a criar condições de reparo das estruturas subjacentes que não foram ativadas implicitamente à época do desenvolvimento destes sujeitos. Possivelmente a ativação destas redes neuronais sucederão novos arranjos a cada nova experiência, enquanto sinapses serão reforçadas, abarcando múltiplas possibilidades de respostas. E, de forma implícita e explícita, promover circunstâncias ambientais ou sociais que aumentem consideravelmente os estímulos ao desenvolvimento, constituindo a denominada reabilitação ecológica, seria favorecer que a pessoa reconheça suas capacidades - objetivo principal deste trabalho de intervenção.


A temática da neurociência como dispositivo para a aprendizagem comportamental compreende que o cérebro está em continua construção. É inegável que as influências sociais implicam no desempenho cognitivo, respondendo pelo desenvolvimento individual, pela modificação e ampliação das estruturas cerebrais e sua plasticidade, inclusive neuronal. Ou seja, a estimulação oriunda da convivência repleta de dispositivos, de diálogo, de novas experiências, em conjunto com a possibilidade de sofisticar a elaboração dos pensamentos, alcançando memórias, sinapses e uma infinidade de idiossincrasias estruturais, mediando os processos de aprendizagem individuais em relação ao meio, o que propicia ocorrer a mudança de paradigmas e o desenvolvimento de novos olhares por conta desta interação. O constante estímulo provindo do ambiente, mesmo hostilizado, ou, sobretudo, enriquecido pela missão da socialização e educação, são fundamentais para a formação e o desenvolvimento do caráter. Entende-se perceber que o estresse, o desconforto e a esquiva inibitória, inclusive, são necessárias para gerar uma dobra, a qual possibilitará uma janela de observação dos devires, dos quais, uma vez alçados, dificilmente o cérebro permitirá retroagir. E como só há aprendizagem quando há mudança, temos aqui um exemplo de como gerar este processo.

É possível interpretar o modelo didático pedagógico exposto acima a partir dos entendimentos da neurociência. Dentre eles, apresentamos algumas perspectivas abaixo, relativos ao mapeamento das zonas cerebrais atingidas pelos estímulos da experiência vivenciais amparada na sustentação cognitiva (andragogia).


A área cerebral estimulada pelo método andragógico são os lobos frontais, que Sprenger (2008, apud Santo e Bruno, 2009) afirma serem os responsáveis pelas funções executivas, tais como a memória de trabalho, o pensamento de nível mais elevado, o planejamento futuro, a tomada de decisão e as escolhas pessoais, esta última caracterizando um dos princípios dos espaços qualificados para reflexão. Este campo pode ser exercitado por meio de estímulos que façam produzir compreensão das situações cotidianas, as quais, por sua vez, acabam desencadeando o processo de elaboração cognitiva, que é a sofisticação do pensamento, muitas vezes limitada em razão da falta de diálogo durante a formação inicial do sujeito, ainda na família e no ambiente em que cresceu.


Outro aspecto a considerar é que o fortalecimento do vínculo com outros sujeitos propicia o acesso a outras estruturas do cérebro, sendo uma delas a já comentada amígdala cerebral, que está atrelada a aprendizagem e a memória, localizada no sistema límbico e tratada no transcorrer deste trabalho.


Assim sendo, com a estratégia de oferecer atividades prazerosas se pode diminuir a resistência dos participantes, pois ativa esta área cerebral por uma via estimulante, essencial para que se lembrem de coisas mais positivas, como a confiança, os laços afetivos, a crença em outros seres humanos e, tendo esta porta de entrada aberta, torna-se possível estabelecer a ponte necessária para a aprendizagem,visto que, ao contrário, os eventos geradores de estresse provocariam aumento de adrenalina e cortisol, prejudiciais a cognição por que intoxicam o hipocampo, local que se processa o pensamento racional e se aciona o mecanismo de passagem da memória de curto prazo para longo prazo, ou seja, a fixação do conhecimento desta forma é menor ou inexistente.


A metodologia andragógica ativa outras estruturas cerebrais como o cingulado anterior, associado às funções de atenção, emoção e motivação, e também os gânglios basais, onde se localizam o sistema de recompensa, as memórias e as informações sequenciais da aprendizagem, além do sistema de ativação reticular que está localizado na base do cérebro e controla a excitação (Santo e Bruno, 2009).


Outro aspecto a considerar quando a aprendizagem envolve mudança de comportamento é que o processamento cognitivo que remete a emissão de sinais entre os neurônios no interior do cérebro deverá, consequentemente, operar modificações na configuração onde os neurônios se comunicam. Neste sentido Anderson (2005) aponta que “as modificações em tal comunicação envolvem mudanças nas conexões sinápticas entre os neurônios e, assim [...] se dá a aprendizagem pela constituição de conexões sinápticas eficientes dentro do nosso cérebro.”

Enfim, analisando pelo viés da neurociência, é possível perceber que mesmo empiricamente, a construção de uma base para a aprendizagem, focalizada nos relacionamentos interpessoais e na excitação de zonas cerebrais que possivelmente nunca são estimuladas, constitui a ponte necessária para o acesso ao potencial de ação do cérebro destes indivíduos, criando condições propícias para ampliar o desencadeamento do desenvolvimento neurológico e cognitivo deles

– um sucesso didático, mesmo que duvidoso aos olhos da psicologia da educação - que trata este processo de acesso ao conhecimento e a formação a margem da motivação Skinneriana.


Quanto à Ciência do aprendizado pode-se supor a partir das ideias centrais de Friedrich e Preiss apontadas a seguir como: “as bases do saber futuro são lançadas em grande parte já na infância” [...] o amadurecimento do cérebro estará, em grande medida, completo, e definidos estarão, ao menos em linhas gerais, os trilhos que nortearão o pensamento adulto” [...]; “depois disso as redes neuronais ainda seguirão dispondo de certa plasticidade – até idade avançada, sinapses serão fortalecidas ou enfraquecidas por novos estímulos, experiências, pensamentos e ações, o que nos possibilita aprender durante toda a vida- , mas, passada a puberdade, o cérebro se deixa modelar com menos facilidade, e a formação de novas conexões sinápticas torna-se mais rara...”(2006, p.9) . Diante disso, se ele não teve aderência, compreensão ou experiência significativa sobre seguir a ordem, não se sente satisfeito com esta experiência. Isto pode ocorrer por que, na maioria das vezes, seus referenciais externos são pessoas que mantem o mesmo estado de ação que ele está perpetuando e o sujeito não sendo versado para o bom caráter não se estimula a mudar.


Deste modo, os ditos mentores oferecidos no tratamento penal, cumprindo o papel de reeducação e reinserção social, podem sugerir atividades interessantes, ligadas normalmente à música e aos esportes, que poderão ser motivadoras em geral, favoráveis para que os órgãos referentes aos sentidos elejam aqueles fatos, situações e experiências como mais importantes para serem processados pela consciência. As quais deverão ter fundo reflexivo para quê, aos poucos, o contato com as regras represente ganhos de espaços e conquistas de individualização nos sujeitos em questão.


Assim, como não dispõem de memórias em relação a assumir responsabilidades e a ter condutas éticas e morais, há que se criar espaços qualificados para despertar emoções boas relativas a estes comportamentos por meio da interação positiva com o ambiente exterior, com devido acompanhamento de líderes positivos que prospectariam sustentação cognitiva às experiências, tornando-as significativas e cabíveis de fixar nas memórias.


O reforço positivo de vivenciar o aprimoramento do caráter poderá vir também do aumento de dopamina, resultante do neurotramissores do córtex pré-frontal quando o sujeito se sente recompensado pela nova situação. Pabst (2012), traz em seu texto a ideia central de que “[...] quando o aluno que se sente afetivamente protegido é desafiado a aprender, ocorrem mudanças físicas e químicas nas sinapses, o que facilita o acolhimento e a reconstrução das informações adquiridas.”(p. 62); e [...] “nessa equação complexa, processos químicos e interações ambientais se aproximam e se complementam, propiciando aquisição de informações, resolução de problemas e mudanças de comportamento.” (p. 62); refletem a necessidade de

efetivamente propiciar ambientes de aprendizagem comportamental por meio de oficinas de criação e arte, especialmente música, na qual a criação de letras expressará sentimentos, reflexões, sentidos a serem trabalhados paulatinamente, e de forma prazerosa.


Como exemplo, no presídio central de Porto Alegre há um grupo de 68 indivíduos, todos abstêmios do uso de drogas, que fazem parte de oficinas, principalmente de arte e música - possível de serem visualizados no endereço: direito no cárcere/facebook. Estes têm se mantido longe da drogadição por participarem destes grupos que desenvolvem canções, meditações e pinturas reflexivas e que se reforçam e encorajam entre si a não desistir.


Cardoso & Muszkat (2018, p. 41-47) ao estudar a neuroplasticidade apontou questões sobre a responsabilidade da cultura, do meio e da educação na constituição de indivíduos, assim como descreveu influências dos aspectos orgânicos na coordenação dos fatores que levam a plasticidade cerebral visto que “as mudanças nos conceitos de modulação cerebral, reorganização funcional e sináptica do cérebro pela experiência e aprendizagem pressupõem que novas formas de ensino e estimulação inovadoras deverão ser formuladas para possibilitar as melhores estratégias para as várias disfunções. Os desafios da educação [...] requerem uma verdadeira revolução das formas de olhar, interagir e construir o conhecimento em bases flexíveis, sujeitas às múltiplas mediações.”


A partir destas afirmações e contrapondo-as a situação da maioria dos apenados, usuários cotidianos ou esporádicos de drogas, com baixa escolaridade, estimulação nula ou quase nula da busca pelo conhecimento formal, oriundos de famílias desestruturadas, e com sérios déficits cognitivos, pode-se acreditar que a escola tradicional, seja dentro da cadeia ou como fator de inclusão em escolas externas, não obstante, com a segregação provinda do uso das algemas, acompanhamento de segurança, ou até das tornozeleiras, não são suficientes para suprir estas deficiências de exploração da possibilidade de modulação cerebral através destes estímulos, para assim, promover as “dinâmicas modulares do cérebro”.


O paradoxo de que todo o processo de aprendizagem gera alteração no cérebro é um tema que chama atenção no texto de Cardoso & Muszkat. Ressalta-se que a aprendizagem sendo uma função neural complexa “pois envolve o funcionamento de diversos processos mentais que correspondem a ativação e inibição de várias áreas cerebrais”, e “estes processos mentais envolvem o funcionamento coordenado em série e em paralelo com um número muito grande de zonas cerebrais, tendo como mediadora a linguagem e o maior componente de sua realização a própria memória”. Os autores afirmam que a aprendizagem está implicada diretamente na memória, assim propõem alguns passos para o ensino dela e lançam o desafio aos professores no âmbito de instigar o aluno para que desenvolva a memória útil e mais significativa e os conduzam para a aprendizagem consciente.


Anterior ao processo de aprendizagem formal está o processo de desenvolvimento neurobiológico da criança, o qual pode sofrer efeitos referentes ao relacionamento com a mãe ou com os cuidadores, já que a pessoa que faz a função materna pode favorecer a filtragem de situações estressoras ao bebê, tanto externa como internamente, e com isto, proporcionar

aspectos importantes na constituição da visão de mundo do sujeito. Assim, as experiências nos primeiros anos de vida são cruciais para a formação do entendimento de mundo pela criança, tanto nas vias sociais e afetivas como nas cognitivas, e a proteção do bebê com a condução de estímulos positivos vem a produzir, possivelmente, um ambiente favorável para estabilização e maior proliferação de determinadas sinapses neurais em detrimento de outras, assim como constituirão os referenciais de memórias emocionais que serão códigos condutores dos campos de significação e compreensão do indivíduo, tais que, futuramente, prospectarão os comportamentos cognitivos e atitudinais do sujeito. Os achados neurobiológicos em bebês expostos a fatores negativos foram alterações no EEG, comprometimento no desenvolvimento mental e motor e patologias do apego. Evitam o olhar e vocalizam pouco. Em crianças maiores os déficits alcançam a aprendizagem e cognição, além de transtornos depressivos, fatores que podem levar ao uso de substâncias psicoativas (Cypel, 2006; Chiesa, 2012).


Como a plasticidade Cerebral é a capacidade do sistema nervoso central de se organizar anátomo-funcionalmente, seja recuperando-se de uma lesão ou mesmo corrigindo um aspecto do desenvolvimento normal, esta tem um papel de fundamental importância na aprendizagem, pois quanto maior a capacidade de plasticidade maior a capacidade de o indivíduo aprender. Logo, todo aprendizado é uma forma de plasticidade e, quanto maior forem os estímulos e as experiências que o indivíduo sofrer, mais redes neurais e conexões sinápticas no cérebro. Deste modo, enquanto o sistema for saudável, o exercício da plasticidade no fazer e no desfazer as associações existentes entre as células nervosas será a base da aprendizagem.


Já as funções executivas são o conjunto de processos cognitivos que permitem a regulação da cognição e do comportamento possibilitando ao sujeito realizar ações complexas. Além disso, elas também refletem as habilidades sócio-emocionais e a capacidade de avaliação de risco do indivíduo. As funções executivas são reguladas pelo córtex pré-frontal (CPF), que está dividido em dois eixos: o primeiro, relacionado a memória operacional ou de trabalho e a atenção; e o segundo, relacionado ao comportamento e emoção. O CPF recebe informações das demais áreas corticais, inclusive do sistema límbico, relacionadas à capacidade de engajamento em condutas voluntárias focalizadas a algum objetivo e a diferentes habilidades, tais como memória de trabalho, ao controle inibitório, a atenção seletiva, ao planejamento e a flexibilidade cognitiva. Tais funções desenvolvem-se ao longo da infância e da adolescência, período em que ocorre a maturação do córtex pré-frontal como foi apontado anteriormente. Comprometimentos nas funções executivas durante essa faixa etária podem estar relacionados a problemas de aprendizagem ou a distúrbios como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade e estão diretamente correlacionados aos estímulos provenientes dos cuidadores. Os Lobos Frontais, localizados atrás da testa, são responsáveis por funções executivas (memória de trabalho), relacionadas ao pensamento de nível mais elevado, denominado processo decisório (Gazzaniga et Al, 2006).


É importante ressaltar que um indivíduo somente atinge sua autonomia total como ser se buscar o seu desenvolvimento em três dimensões: cognitiva, socioemocional e espiritual (PEC, 2014).


CONCLUSÕES

A partir desta reflexão chegamos à conclusão que a compreenção de como o cérebro adquire memórias, como gerencia as informações que chegam a ele, como constrói a inteligência emocional do indivíduo e quais os fatores que influenciam estes processos, tornou mais fácil criar atividades de tratamento penal que podem se estruturar em programas de políticas públicas que vizem reduzir a vulnerabilidade psicossocial dos apenados, auxiliando-o no processo de socialização e reintegração saudável a sociedade.


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